Maria Paula Costa Rêgo, uma bailarina com passo armorial

Por Mateus Araújo


Maria Paula em cena durante o espetáculo Castanho Sua Cor.

Maria Paula Costa Rêgo tem nos passos a tradição popular unida aos toques contemporâneos. Aos 49 anos, a bailarina, uma das fundadoras do Grupo Grial, é a homenageada da 17ª edição do Festival Internacional de Dança do Recife. Em entrevista ao Jornal do Commercio, Maria Paula relembra os tempos que integrou o elenco do Balé Popular do Recife e fala da admiração pelo escritor Ariano Suassuna, seu mestre e amigo de anos.

JORNAL DO COMMERCIO – Antes de criar o Grial, você se destacava em solos nas apresentações do Balé Popular do Recife. O quanto essa passagem pelo grupo contribuiu para a sua formação profissional, para fazer de você o que você é hoje?

MARIA PAULA – O Balé Popular do Recife deixou marcas na minha vida, em todos os sentidos. Foi lá que me dediquei inteiramente à dança e me deparei com a palavra COMPROMISSO. Foram lá minhas primeiras reflexões sobre dança... O grupo e André Madureira, eram muito cúmplices. Época maravilhosa aquela!

JC – Nesses anos de bailarina, quais os momentos mais importantes que você viveu no palco e até na plateia?

MP – São aqueles em que estou com Ariano... Em A Demanda do Graal Dançado ele sempre abria a noite das apresentações, e aquilo para mim era uma dádiva. Hoje, são as aulas-espetáculos da Secretaria de Cultura... Ouvi-lo tecer elogios à cultura brasileira e logo depois entrar em cena como exemplo do seu pensamento, trocar olhares a cada final de coreografia, é algo que sempre, sempre me emociona. De vez em quando eu me vejo engasgada com um choro em plena aula-espetáculo... E tenho certeza de que essas emoções (e as razões pelas quais me emocionei) entram nas minhas entranhas e sairão em forma de criações.

JC – O que você acha do olhar com o qual a sociedade contemporânea enxerga a cultura popular? Os estereótipos lhe incomodam?

MP – A sociedade brasileira (apesar de ocorrer no mundo inteiro) ainda dá mais valor ao erudito que vem das universidades. Depois de tanto tempo junto a mestres e brincadores, acabei por perceber que existe o erudito dentro da tradição popular. Que há sabedoria e ciência em cada brincadeira, e que são necessários muitos anos de instrução para que esta se realize e para que seu participante se torne um exímio brincador. Como não respeitar essa arte como uma linguagem artística impar, de qualidade e mote digno para quaisquer construções de arte contemporânea? Mas os estereotipos me incomodam, sim, mas não me provocam raiva porque todos nós (em alguma situação da vida) temos visão curta diante do desconhecido... Humano demasiado humano! Mas abram espaço que eu quero passar!

JC – Como você se vê dentro da concepção dos seus espetáculos?

MP – Apesar dos meus 49 anos, sempre crio um personagem que eu possa executar a 100%. Como criadora, tenho dificuldades de me colocar dentro das criações, e as minhas participações vão ficando sempre para o final. Mas como todo processo criativo é um mistério; quando, enfim, estou pronta para me colocar dentro dos desenhos coreográficos (ou nas entrelinhas da dramaturgia coreográfica), o meu lugar vai aparecendo como se tudo tivesse sido criado com as lacunas necessárias para que eu pudesse me encaixar na obra final. Longa vida a todos os bailarinos!


Entrevista publicada originalmente no Jornal do Commercio.